Dicas para um ENEM com a "cara do governo"

O presidente diz que agora o ENEM terá a "cara do governo". Saiba o que isso pode significar para o redação.

Após polêmicas envolvendo o ENEM e a declaração do presidente de que a prova terá a cara do governo, resolvi deixar aqui algumas dicas para aqueles que farão redação este domingo.

Tema

Mesmo que a redação apresente uma proposta bem definida, lembre-se de que, no fundo, todo tema é livre se você souber desviá-lo bem.

Caso a proposta dada não seja de seu agrado, comece sua redação com "Mas e o X", sendo X um tema de sua escolha.

Como é de se esperar, mesmo o tema que você escolher se esgotará facilmente, então não sinta medo de abordar vários temas diferentes durante sua redação, mesmo que nenhum deles seja devidamente desenvolvido. O governo atual entende que você não é obrigado a entender nada de forma aprofundada, pois isso é coisa de universitário drogado e professor doutrinador. Foque na superficialidade e nas declarações contundentes.

Tese

Não precisa apresentar, mas se apresentar não precisa deixar clara. Essa é a maior contribuição do governo em termos de debate. Se você apresenta o ponto de vista que você defende, alguém pode encontrar pressupostos errados, argumentos equivocados e incoerências de sua parte, mas se você diz coisas aleatórias e com pouca ou nenhuma ligação entre si você está protegido contra intelectuais. Ninguém pode questionar o que você pensa se você não pensar.

Tamanho do texto

30 linhas é muita coisa. Você sabe que nada é tão complexo que precise mais do que dois ou três tuites para ser explicado. Um texto curto, além de ser mais do que o suficiente, não deixa transparecer que você não tem repertório o suficiente para defender seu ponto de vista, o que nos leva a outro tópico...

Repertório

Esse ponto está gerando polêmicas, mesmo entre os especialistas. Alguns acreditam que o conceito de repertório legítimo foi abolido e que agora todo repertório vale igualmente, mas na verdade ainda é importante saber identificar fontes confiáveis.

Quando for citar a fonte de uma informação dê preferência para canais de Youtube feitos por jovens sem estudo. Caso não lembre de nenhum, um repertório coringa garantido é dizer “fonte: texto do zap”. Cuidado com fontes pouco confiáveis como universidades, revistas especializadas e canais de divulgação científica, pois, como sabemos, ciência só tem validade quando concorda com opiniões emitidas pelo chefe de Estado.

Gênero textual

É recomendável que se mantenha a estrutura do texto dissertativo-argumentativo, mas não é obrigatório. Sinta-se livre para inovar, principalmente se quiser substituir argumentos objetivos por uma narração emocionada e pessoal. O ENEM agora entende algo que a internet já sabe faz tempo: evidências anedóticas (experiências individuais) valem mais do que qualquer estudo formal. Nada acaba mais com um estudo científico do que frases começadas com “mas com o tio da minha amiga foi diferente”.

Coerência

Não é necessária.

Proposta de intervenção

Por fim, você agora tem duas opções para fazer sua conclusão:

(1) você pode seguir a estratégia tradicional, em que você apresenta uma ação (o que deve ser feito) e o agente (quem fará tal ação), não sendo mais necessário apresentar mais detalhes do que isso, pois ninguém se importa;

(2) você pode substituir a PI (proposta de intervenção) pela AC (atribuição de culpa), em que você culpa uma pessoa ou instituição pelos problemas do governo, ou pela DA (desvio de atenção), em que você aponta um problema de outro país ou de outra época para que ninguém mais fale sobre a situação atual.

Enfim, são essas as principais mudanças na correção da redação do ENEM. Existem especulações de que faltar no dia da prova garanta aprovação automática, mas isso ainda precisa ser confirmado.